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Mostrando postagens de março, 2019

013 – 31 de março – “História Geral dos Tapetes Persas”, de al-Sherazade

O improvável porém óbvio nome de Raquel al-Fatihma Isfahan al-Sherazade encima essa pequena brochura de papel grosseiro publicada hoje no mercado de Asadabad no Irã. E esse nome [por incrível] não se trata de pseudônimo. A professora al-Sherazade [da Universidade Periférica de Tabriz] escreveu uma obra que [embora não exatamente inovadora] empresta nova vida a assunto agradável - todos gostam do belo, e os tapetes persas são belos. Não é isenta de deficiências, porém. A História Geral dos Tapetes Persas (تاریخ کلی قالی های ایرانی. no original) enfatiza demasiado dois entre as dezenas de tipos de tapetes. Um deles é o tipo Asadabad [o que explica a escolha dessa aldeia para o lançamento], e o outro o Nain. Que a professora aprecie aquele último explica-se: os tapetes Nain possuem amáveis arabescos de rosas que fazem deles o mais apreciado presente de quinze anos no Bazar de Teerã. Quando ao Asadabad [claramente o favorito da especialista] a explicação torna-se no mínimo

012 – 30 de março – “A saída é pelo teto”, de Serguei Yanukevitch Radist

Embora chegado às livrarias da rua Rashkolnikova em Kiev na Ucrânia apenas no dia de hoje,   “Вихід здійснюється через стелю - психологію негативу” – A Saída é pelo Teto – Uma psicologia da Negatividade foi reeditado a 18 de março. No mesmo dia em 2014 a poderosa Rússia engoliu a Criméia [uma parte da Ucrânia]. Em país ameaçado pelos   vizinhos, partido em guerra civil e com suas moças a querer desesperadamente casar-se com alemães, o professor Yanukevitch Radist, Phd., lançou obra para negar os problemas. Não se trata de resolvê-los, diz, mas de negá-los mesmo. Quem quer ser feliz comece a mentir para si mesmo – as pessoas têm consciência política, pensam no futuro, resolverão o Aquecimento Global e, de quebra, uma certa Giselle [que parece que é modelo, creio que lá pelos EUA] está [secretamente] apaixonada por mim. Diz o professor que a realidade não muda – e encará-la apenas causa úlceras e taquicardias. A mentira gera bom humor. Por que não esta última? A saída ser

011 – 29 de março – “Gehen Sie bitte ins Gefängnis!”, de Karl Alexander

O curioso [e diríamos incompleto] nome de Carlos Alexandre [ Karl Alexander ] – assim mesmo, sem sobrenome – identifica o autor deste que não pode ser visto mais que como uma caricatura em forma escrita. Ou não. Lançada originalmente em 1981, esta pequena obra se reimprime agora, com lançamento em Berlim, no bairro boêmio, em um boteco frequentado por garotas de tatuagem e meião, que chegam lá sem nenhum euro na bolsa e saem com vários, dados por cavalheiros que chegam sem companhia e que saem em companhia das ditas moças para hoteizinhos de alta rotatividade. E não se tratou só de truque de publicidade – a história [reconhecidamente idiota] de Gehen Sie bitte ins Gefängnis fala de um homem que se casou com uma mulher sem muito charme [chata] e isenta de atrativos [feia], e que, sentindo-se tapeado, telefona para a polícia levá-la embora, sem importar o motivo – ou seja, tudo a ver com o local de lançamento. A história termina com a rádio-patrulha a se afastar, sem que fique

010 – 28 de março – “Sobrenome Cinderela”, de Hanne Ingeborg Askepott

Sobrenome Cinderela surpreende. Até mesmo pela [relativamente] pequena repercussão dada a esse lançamento não isento de qualidades. Apenas uma entrevista de meia página na Gazeta de Trondheim ( Trondheim Gazette ) deu-lhe o destaque à obra – que a autora decidiu lançar hoje, seu 26º aniversário. Não se trata de obra de ficção. Seu próprio nome no original em norueguês dá uma pista – Etternavn Askepott [o título do livro na língua norueguesa] foi motivado pelas experiências pessoais da autora – de fato, ela se chama, literalmente, Cinderela [ Askepott ]. O inevitável bullying experienciado ainda na escola a   motivou a escrever não só sobre as esperáveis gozações no recreio mas pelo significado – para a autora, Cinderela se trata de um emaranhado de símbolos – tanto mais sedutores quanto difíceis de decifrar. Uma bela moça obrigada a tarefas menores, um país que cometeu o erro de eleger um político medíocre, um músico genial sem reconhecimento ­­ – todos eles são, segun

009 - 27 de março – “Problema com o Prazer”, de Caroline Anne Stevens

A pequena La Fauxmagerie [curiosamente, de Londres] tomou um risco ao publicar essa pequena porém abrangente obra [e já afirmou que não será vendida na Amazon]. Em Problem with Pleasure a professora Anne Stevens enfrenta a questão da relação dos seres humanos com o que é gostoso. Começa por dizer que a profusão de dietistas e de regradores do comportamento moral deixam clara a pervasividade do assunto. Vai para o segundo capítulo, mais teorético, no qual refuta certas ideias, como a pulsão de morte freudiana, apodando-as de meras frases que não explicam nela. Adianta que nem ela se propõe a explicar. Na terceira parte afirma que há algo dark na natureza humana, que a faz desconfiar de tudo o que dá prazer – apesar de um temor [às vezes exagerado], da dor. Na seção última e mais controversa, afirma que essa tendência humana explica certas ações – o católico vê a garota sexualmente livre e fica [secretamente] feliz ao saber que ficou grávida – os trabalhos e despesas que te

008 – 26 de março – “Solitário, desesperado...”, de Nouveau-Rousseau

Pode parecer pouco crível que a vetusta Maison Rousseau , na Grand Rue, 40 , em Genebra, tenha aceito ser palco do lançamento deste hard-cover ontem à noite, entre temperadíssimos salgadinhos veganos. Apesar de o autor do livro ser obviamente um pseudônimo, dois dos autores verdadeiros estavam lá – a se empanturrar com os referidos. Solitaire, désespéré, je ferai dans ma faiblesse ce que les forts ne font pas – “Solitário, desesperado, farei na minha fraqueza o que os fortes não fazem”, para além de seu quilométrico título, pode ser visto [com certa injustiça] como um pastiche. Trata-se de uma frase de Jean-Jacques Rousseau, talvez pensada em alguma caminhada à beira de lago ou em meio a seu ménage-à-trois com a Madame de Warens e outro cara – com Rousseau nunca se sabe muito, embora ele diga tudo. Consiste em fantasias [não merece outro nome] de o que o Mestre diria, diante de desafios em diferentes épocas. O verdadeiro morreu em 1778. Há um texto teoricamente escrito dur

007 – 25 de março – “Memórias secretas de um Conde”, de Serguei Yulevitch Witte

Um velho frente a um grupo de homens poderosos (e irredutíveis). O Velho fala de guerras, de ruínas. Lamenta pelas pessoas que nascerão depois dele, pois viverão sem esperança. Tudo o que terão será a culpa, a vingança e o terror. “E o mundo será cheio de fanáticos – e tolos triviais”. Vai embora. E tudo segue como antes. Esta não é cena inicial ou final de Тайные воспоминания графа (Memórias Secretas de um Conde) lançado hoje em 17ª edição na Borders de Petersburgo. De fato, há [não infundadas] dúvidas de que Serguei Yulevitch, o Conde Witte, seja mesmo seu autor. Curiosamente, nos tempos da União Soviética o livro foi incluído no index de proibições por obscenidade, por algum censor que provavelmente só se deu ao trabalho de ler o título. O tal Conde Witte foi importante [ministro, primeiro-ministro] e tinha a tarefa inglória de lidar com um imbecil com megalomania hereditária [o Czar Nicolau II] e seus conselheiros [que conseguiam ser ainda piores]. O melhor da obra n

006 – 24 de março – “Minha vida sob os desastres”, de Rocca Smith Wallace-Wells

Pairam dúvidas sobre esse livro. A começar de sua autora – Ms, Wallace-Wells não tem mais de dois anos de idade. Segundo, sobre sua data de publicação, cujo ano (2076) gera não inverossímeis dúvidas sobre sua autenticidade. Minha Vida sob os desastres (“My life under shambles”) pretende ser um relato memorialístico sobre uma vida iniciada em Nova Iorque e marcada por deslocamentos, tanto físicos como de expectativas. A garota Rocca (filha de um jornalista bem-sucedido na cidade mais rica do mundo) esperava uma vida de conforto, dinheiro e ocasionais danças em discotecas. Em vez disso, ainda pré-adolescente teve de sair de casa com água pela cintura pela inundação vinda do Atlântico. Seguiu-se a fuga para o outro lado do continente, para uma vida tranquila por alguns anos, até um grande incêndio devastar a região. Fugiu de novo, mais uma em vaga de migrantes, e depois de novo, sempre mais para o frio, sempre para o norte. Sintomaticamente, na capa de seu livro consta Reija

005 – 23 de março – “Meu sonho e meu pesadelo”, de Kurtz Willard

O lançamento de “ My Dream and my Nightmare / Mi ala ati alaburuku mi ” não pode ter qualificação outra que não a de grande sucesso – pelo menos, é essa a impressão deixada por notas de destaque em dois dos três periódicos online de Brazzaville. O volume [em edição bilíngue Inglês/Lingala] atraiu dúzias à FNAC - filial da Universidade Marien Ngouabi. O livro não é destituído de méritos. Seu autor ou autora não existe. Não com esse nome – Kurtz e Willard são personagens do Apocalypse Now de Coppola, este por sua vez uma reciclagem do Heart of Darkness , de Joseph Conrad. Explica-se portanto a razão de porque o livro foi lançado no Congo – ali mesmo ocorreu a trama sinistra mostrada pelo escritor. Meu Sonho e meu Pesadelo começa com a pouco estética cena de um caracol a deslizar pelo gume de uma navalha. Corta para um previsível capítulo de um rapaz de sorriso largo chegando a um mercado em Lubumbashi ou Kinshasa (a trama não é precisa), e evolui para um inesperada trama de

004 – 22 de março – “Querido, você esqueceu o filme-a-cores!”, de David Braunschweig

Du hast den Farbfilm vergessen! – que em tradução fiel porém livre pode ser lido como “Querido, você esqueceu o filme-a-cores” inspirou uma canção de Nina Hagen, escrita ainda nos tempos da Alemanha Oriental. O livro (um pequeno volume relançado hoje no começo da tarde em uma festinha no subsolo da Livraria Kulturhaus perto da estação de metrô da rua Frederico em Berlim) se trata de uma coletânea de contos. Pouco líveis hoje em dia, é verdade. Compreende-se: lançados em primeira edição lá em 1972 nos tempos do comunismo, tiveram que driblar a censura da Stasi – a polícia política – com alusões abstrusas. O conto-título narra a história de uma moça que foi a uma praia distante com o namorado tirar fotos: a começar com a garota de vestido e chapéu; depois de vestido, sem chapéu; depois de chapéu, sem vestido; e finalmente até o chapéu tomou doril. Ao chegar em casa, a decepção – as fotos eram todas em preto e branco. O rapaz esquecera o filme a cores. Segue-se uma el

003 – 21 de março – “Katie Dear”, de Nelson Ken

Não é necessário ser punguista, gigolô, assassino, prostituta de bordel, drogado, presidiário ou jogador depressivo para se tocar música country – but it certainly helps! – Esta frase, vergonhosamente plagiada por ou plagiada do volume “Os 1001 Discos para se ouvir antes de morrer” (página 26 da edição brasileira) fecha e abre Katie Dear – relançado hoje [inevitavelmente em Nashville] pela Rootledge como Pièce de résistance da sua coleção Rootledge Classic Country , que depois da fraqueza dos últimos lançamentos bem que necessitava upgrade . Esse romance [na verdade um relançamento com correções] replica uma canção de mesmo nome lançada nos anos 50 pela dramática dupla de irmãos Ira e Charles Louvin. E dramático é bem o termo, não só de suas vidas como de suas canções. Katie Dear regurgita de delegados barrigudos e corruptos, pastores hipócritas, pais alcoólatras sempre dispostos a descer a pancada nos filhos, mães cúmplices, tias com amantes, jornalecos secos por sangue

002 – 20 de março – “A Filosofia do K-pop”, de Hyung Minah

  Lee Hyung Minah surpreende sempre.   Aos 73 anos, a mais veterana dos professores da SKKU -   Sungkyunkwan University se tornou a terceira mulher mais experiente a subir o Evereste [e deu um discreto piti ao saber que não era a primeira] e as ondas de Bali [com ela sobre uma surpreendente longboard da shaper brasileira Pastor ] não são estranhas às páginas de seu Instagram [curiosamente pouco popular]. Depois de suas iconoclásticas obras 정상적인 인간이 헤겔을 이해할 수 없다는 것을 , que pode ser traduzida como Da impossibilidade de qualquer ser humano minimamente normal entender Hegel e 존재에는 시간이 없다 O Ser não tem Tempo – esta uma refutação a Heidegger – a   vetusta estudiosa lança [direto em versão romanizada, pela Nollam Chaeg] as 199 páginas do ensaio K-pop-ui Cheolhag – A Filosofia do K-pop . Tarefa hercúlea [ou everestiana] diante de matéria tão pouco filosófica. E a autora o reconhece logo na primeira linha – Diante de um clip do BTS ou do Girls Generation , me dá vontad

19 de março - Tragédia reciclada

William Shakespeare obviamente não escreveu o drama Hadithi maarufu ya kupanda na dhiki ya Mfalme Lumumba , publicado hoje em Bulungu, Congo, em 91 páginas pela casa Upepo Haupo . Primeiro por que não consta que o bardo inglês soubesse Swalihi – a língua desse drama - embora sempre haja a possibilidade de que tenha sido tradução. E segundo, pela razão talvez não pouco convincente de que o personagem que inspirou o enredo nasceu exatos 309 anos depois da partida do inglês para o Empíreo – o que, excetuando-se a hipótese de que o espiritismo seja correto, nos faz concluir que é um pseudônimo que consta na sua capa. A peça [em mui shakespearianos cinco atos] e que pode ser traduzida para o português, de maneira mais fiel ao espírito que a letra, como A célebre narrativa da ascensão e tragédia do Imperador Patrice Lumumba dramatiza a vida de um jovem que saiu do nada político e em três anos voltou ao nada – esse metafísico. Ao seu desconhecido autor ou autora pode-se perdoar a