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036 – 22 de maio – “Uma vindicação do Apocalypse Now”, de Antônio Arnaldo da Silva

Tendo em vista a paixão que os brasileiros em geral têm pelo que vem de fora, não chega a surpreender esse improvável comentário ao clássico “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, escrito pelo brasileiríssimo Antônio Arnaldo da Silva, saído em edição do autor na não menos brasileira Boca do Acre, no Amazonas. O fato de ser cidade cercada pela selva torna a obra menos implausível. O filme do hollywoodiano se baseia em novela (“ Heart of Darkness”) escrita pelo polonês renegado Joseph Conrad, que versava exatamente sobre um rio cercado por uma selva, o Congo. A interpretação de Arnaldo da Silva leva em conta esse dado histórico e vai mais além. O enredo básico [que se desenvolve tanto na novela quanto no filme] para o cinéfilo brasileiro diz respeito tanto a uma realidade externa [a Guerra do Vietnã no caso do filme, o Genocídio no Congo no caso da novela] quanto a uma realidade interna do protagonista-autor e talvez até do leitor. O rio misterioso que avança em floresta na qual

035 – 21 de maio – “Pós-Pecado Sociedade”, de George E. Lytton-Bulwer

O óbvio pseudônimo tem levado a não poucas especulações de quem seria o autor desse pequeno paperback lançado hoje pela Divisão Livros em Profundidade da Rootledge. Pseudônimo óbvio: o autor se trata de óbvio anagrama de Edward George Bulwer, Barão de Lytton e argumentadamente o autor da pior frase jamais escrita em língua inglesa, a desastrosa “Era uma noite escura e tempestuosa” no começo de um romance seu de 1830 e que [talvez justificadamente] tem fomentado sucessivos desejos de vômito nos valentes leitores. [Talvez surpreendentemente] Post-sin Society é bem escrito. Deslizando entre ensaio, monografia histórica e arremedos de romance [embora por vezes despenque quase para roteiro de filme erótico da-pesada] mantém uma unidade básica. Os personagens centrais Christina e Archie [às vezes autores, às vezes protagonistas] começam em uma sociedade marcada, na qual se sabia com exatidão onde se situavam mulher e homem, castidade e devassidão, guerra e paz. E terminam em mundo o

034 – 10 de maio – “História dos Imaginários Amanhãs”, de Zarina Samiah

Não se trata de um livro mas de um projeto. Hadithi ya Kesho ya Kufikiri – o título da obra em Swalihi [a língua franca da região] faz parte de pequenos livros [poemas, romances ou até pensamentos soltos] que surgem sempre em má hora no pior local. O primeiro [segundo versões] surgiu em Rostock na Alemanha sufocada por tiros em 1945 – outras dizem ser mais antiga ainda. Zarina Samiah não era daquelas apaixonadas por livros [que dizem depois que a literatura as emancipou]. De fato gostava mais de escrever que de ler – e coerentemente elaborava longas cartas para si mesma, as quais [quando tinha dinheiro] enviava para seu próprio endereço e esperava com ansiedade de apaixonada. Sempre com um pseudônimo – ela assinava Gunther Miller , um engenheiro sueco em problemas no casamento, ou Park- Ji-yon , uma jovem dançarina na Coréia do Sul ansiosa por se tornar profissional. Até que a guerra civil no seu país [o Sudão do Sul] interrompeu o serviço postal. São essas cartas [e de outr

033 – 08 de maio – “Pássaros em uma macieira”, de H. B.

Não foi [de maneira alguma] por coincidência que a editora punk Unmöglicher Verlag de Rostock resolveu lançar no dia de hoje este pequeno volume de poemas. De fato trata-se de segunda edição de obra quase lendária – lendária porque rara. O primeiro lançamento se deu na mesma cidade no mesmo dia 8 de maio, só que em 1945 – o dia em que terminou a Segunda Guerra. Naqueles tempos não era recomendável para ninguém nem lançar poemas nem se deixar fotografar nem mesmo respirar naquela cidade de Rostock e vizinhanças – bombas e fuzis são desagradáveis e têm a péssima mania de quebrar ossos. Desnecessário dizer que H. B. se trata de pseudônimo, possivelmente a nunca ser revelado. Para quem imagina um pungente testemunho dos horrores da guerra o livro é decepção. Birds in na apple tree [o título é assim mesmo, em inglês, apesar do título ser em língua germânica] coerentemente com o nome fala de solidão, espanto, luares de prata, pássaros no fundo do mar e de pássaros em macieiras. Curios

032 – 07 de maio – “Waste No Paradise”, de Annie Trang Nguyen

Annie Trang Nuyen [assim mesmo, com esse nome afrancesado em meio a tantas sonoridades extremo-orientais] nasceu há 49 anos em uma aldeia perdida que [infelizmente para ela e os vizinhos] tornou-se célebre em noticiários de guerra, Vihn Dihn Village, bem na boca do grande rio Mekong. Nasceu tarde demais para se lembrar da visão das bombas porém a tempo de recordar seu cheiro e seu som – os quais 49 anos depois a Professora de Psicologia dos Narcóticos da Ho Chi Minh City International University descreve com detalhes no seu primeiro livro não-didático. Não desperdice o Paraíso apesar de seu assunto se trata de livro otimista. Certo, fala do horror. Afinal, parte das memórias de uma menina no meio de uma guerra, que ela não causou, não sabia por que lá estava, e a qual sequer entendia. Além de odores e sons, lembra de rostos – os óbvios, de pai e mãe previsivelmente atarantados, avôs e avós, e também outros – cobertos com capacetes estadunidenses, e com medo, e ódio – e, na memó

032 – 01 de maio – “Beijando espelhos”, de JD Stone

Kissing mirrors não é de livro de moda (Vancouver, 2019, Hyomin Press – e a escolha de editora especializada em traduções do coreano se explica a seguir). Tampouco JD Stone é nome – trata-se de pseudônimo tão grosseiro que só se admite se se pensar que se queria que fosse percebido como pseudônimo. Consiste em obra tão delicada como se pode imaginar que seja seu autor. Mistura de romance, livro de memórias e ensaio, “Beijando...” começa com um improvável encontro entre um jovem produtor musical canadense e uma jovem dançarina profissional de Seoul – inevitavelmente uma kpopper . Eles a ensaiar no mesmo estúdio – ele a se exercitar obsessivamente no teclado e ela a repetir exercícios de aquecimento de dança. Paravam para o café. Ele [JD] se disse jovem fanático por línguas e instrumentos e mais nada. Ela [Sinb] a segurar a xícara com as duas mãos dizia o mesmo da dança. E voltavam a treinar, cada um do seu lado. Inevitavelmente saiu daí uma história de amor. JD descobriu: Sin

031 – 26 de abril – “Aventuras sexuais da Batgirl”, de Karima Solokov

A Karima Solokov não são desconhecidas as encrencas com a Lei. [Afirmou rindo à coluna cultural do Ekspress de Lvov que a polícia do Uzbequistão já a convidou nove vezes para um papo, e que espera levar um bolo de chocolate para celebrar o décimo]. Tudo por causa de livros, ou melhor, de ideias. A professora de Tapeçaria no Instituto de Estudos Orientais de Tashkent já teve problemas pelo seu livro anterior Casanova o Casto , no qual disseca [baseada em exegese de corte estruturalista] as Memórias do famoso sedutor e conclui que de sedutor não teria nada -   e que, se hoje vivesse, seria adolescente nerd e incel em porão com sardas e vendo sites da pesada. [A obra, de maneira pouco mais que estúpida, foi censurada como pornográfica]. Em Batgirlning shahvoniy sarguzashtlari [Aventuras sexuais da Batgirl] Karima destrincha a personalidade tipo iceberg [com um grande setor oculto] da filha do Comissário Gordon – sua dúbia relação com o pai, a mais dúbia ainda com o Homem-mo